quinta-feira, maio 18, 2006

O CLUBE DE AMIGOS DE SCOLARI

"Um aviso prévio: o que vou escrever não envolve qualquer falta de consideração pessoal ou profissional para com Luiz Felipe Scolari. Pessoalmente, não tenho razão alguma para o desconsiderar, nem é meu hábito confundir as coisas, e, profissionalmente, não ponho em dúvida, nem a brincar, que os seus conhecimentos futebolísticos ultrapassam largamente os meus, como é óbvio. As minhas críticas ao seleccionador nacional têm que ver, exclusivamente, com o seu comportamento enquanto líder de um grupo e de uma equipa que tem por missão primeira representar um país inteiro — e não parte dele.Sejamos francos: de há muito que todos sabíamos ou suspeitávamos que Scolari iria deixar Ricardo Quaresma fora do Mundial. Eu, pessoalmente, escrevi-o logo em Novembro ou Dezembro, quando ouvi o seleccionador dizer que, dos 23 para a Alemanha, 20 já estavam definidos na sua cabeça. E, não tive dúvidas de que Quaresma não era um deles, fizesse a época que fizesse. Porque a sua exclusão está inteiramente conforme com aquilo a que alguns chamam a coerência do seleccionador, e a que outros poderiam chamar a teimosia: a diferença entre uma e outra coisa não é questão de facto, mas de opinião. Desde aí, calei-me, porque também sabia que a necessidade doentia de afirmação de autoridade por parte de Scolari faz com que, quanto mais um jogador é desejado por todos, mais hipóteses há de ele o afastar. E, se eu desejava ver Quaresma no Mundial não é por ele ser jogador do FC Porto (também lá desejava ver o Tonel e o Manuel Fernandes...), nem sequer, principalmente, por achar que, com ele, a Selecção ficaria mais forte. A razão principal que me levou a calar-me desde então, como contributo para não prejudicar as hipóteses de convocatória de Ricardo Quaresma, é esta: porque ele é um fora-de-série, fez uma época em que foi unanimemente reconhecido como o melhor jogador do campeonato e merecia, sem sombra de dúvida, estar na Alemanha. Infelizmente, teve o grande azar de apanhar contra si um seleccionador como Scolari, para quem a justiça e o mérito são o menor dos critérios de escolha, e por isso vai ter de esperar pelo menos quatro anos para poder cumprir esse sonho. Sorte a de jogadores como Pelé, Maradona, Owen, Ronaldo, em não terem tido um Scolari como seleccionador: isso permitiu-lhes a todos estar o Mundial com idades na casa dos 20 anos ou menos e permitiu-nos a nós, que gostamos dos grandes jogadores, termos podido vê-los mais cedo.Se Scolari não leva Ricardo Quaresma à Alemanha — assim como Manuel Fernandes ou João Moutinho — é por uma razão simples: porque é intelectualmente preguiçoso. Detesta novidades, detesta ser confrontado com desafios novos, detesta ter de alterar os seus esquemas já pensados e definidos. Definiu a sua Selecção quando cá chegou, há quatro anos, e, desde então, apenas a alterou pontualmente quando foram os próprios jogadores a abandonar. A sua convocatória de ontem é de uma previsibilidade e monotonia confrangedoras. Não apenas não existe uma só novidade, como ainda ele repete todos os que têm lugar cativo — incluindo suplentes nos respectivos clubes, jogadores cuja forma desconhece e que não vê jogar há meses e até quem esteja parado há longo tempo. Quando se tem a sorte de ser escolhido por Scolari, só há uma forma de deixar a Selecção: é pendurar as botas.Eu compreendo, decerto, que um treinador prefira lançar mão de quem conhece bem e com quem forma um grupo homogéneo. Mas nenhuma equipa ganhadora se pode limitar a essa escolha, sob pena de não admitir renovação com novos talentos, em benefício de uma coisa que mais se assemelha a um grupo de amigos ou de família do treinador. Quando anunciou, com seis meses de antecedência, que já sabia quem eram 20 dos 23 que iriam à Alemanha, Scolari passou uma dupla mensagem, claríssima: tanto fazia que aparecessem novos valores no mercado, porque ele não os iria buscar; e tanto fazia igualmente que os escolhidos estivessem em baixo de forma ou mesmo sem jogar, porque eles teriam sempre lugar cativo na sua equipe. Uma equipa assim não é uma equipa dos melhores, mas dos fiéis, e uma Selecção assim não é a Selecção de todos nós, mas a dos amigos do seleccionador.Claro, que os defensores de Scolari (alguns dos quais, não disfarçando, por exemplo, a sua ânsia em despedir Ronald Koeman do Benfica, já consideram um crime de lesa-majestade criticar o seleccionador), podem sempre argumentar que ele tem resultados que falam por si. É a velha história do copo meio cheio ou meio vazio. Pode-se dizer que Scolari é o homem que nos levou ao título de vice-campeões europeus e que nos colocou tranquilamente numa fase final do Mundial – é uma conclusão possível. A outra é achar que ele é um dos dois personagens do futebol português com mais sorte (o outro é o seu protegido Ricardo, que é capaz de ser o guarda-redes que mais cruzamentos falha e menos golos sofre). Nesta outra maneira possível de fazer o balanço, Scolari teve a sorte de não ter de disputar a qualificação para o Europeu e, em vez disso, poder passar dois anos a jogar a feijões, perdendo todos os jogos com Selecções qualificadas e acumulando exibições e resultados catastróficos; perdeu o primeiro jogo do Europeu contra a Grécia e só então, à beira do abismo, deu a mão à palmatória e pôs a jogar a defesa e o meio-campo do FC Porto, que tinham acabado de ser campeões da Europa e que só ele não achava que devessem ser titulares (lembrem-se que, em 2004, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, Maniche e Deco eram suplentes na equipe de Scolari!); a seguir teve a sorte (?) de, no jogo que tínhamos absolutamente de ganhar, contra a Rússia, o Ovchinikov ter sido mal expulso, deixando-nos a jogar contra dez mais de meia parte; teve a sorte dos penalties contra a Inglaterra e a sorte de apanhar uma Selecção tão fraca como a grega na final, mas, mesmo assim, não mostrou ter aprendido alguma coisa com a derrota no primeiro jogo e repetiu o resultado; e, logo depois de ter perdido um Europeu jogado em casa e com tudo a favor, teve a sorte de apanhar um grupo de qualificação para o Mundial em que era virtualmente impossível falhar o apuramento; e, para fechar em beleza, vamos ter agora um grupo na Alemanha com uma Selecção acessível, como o México, e duas incipientes, como o Irão e Angola, formada à base de jogadores das 2.ª e 3.ª divisões portuguesas. Mais uma vez, também aqui, no apuramento do curriculum de Luiz Felipe Scolari à frente da Selecção portuguesa, trata-se de uma questão mais de opinião do que de facto. O mesmo não se passa com o futebol de Ricardo Quaresma, onde os factos e as opiniões coincidem. Há uma só pessoa em Portugal inteiro que acha que Quaresma não deve ter lugar no Mundial. Infelizmente, para ele e para nós, essa pessoa é o seleccionador nacional. Vai ter provar que tem razão e não valem desculpas, como a de nos querer desde já convencer de que estamos em «sérias dificuldades» para conseguir o apuramento no nosso grupo do Mundial."
Por Miguel Sousa Tavares em jornal ABOLA a 17 de Maio de 2006....brilhante

1 comentário:

Anónimo disse...

23 eleitos deveriam ser:
G. Redes: Ricardo, Baía, P. Santos
Defesas: P. Ferreira, Miguel, R. Carvalho, F. Meira, Tonel, Caneira e Miguelito
Médios: Deco, Petit, João Moutinho, Tiago, Maniche, , Figo, Manuel Fernandes
Avançados: Pauleta, Nuno Gomes, João Tomás, Simão, Quaresma, Cristiano Ronaldo